sábado, 13 de agosto de 2011

Origens da bruxaria

Um pouco de história – Origens da bruxaria


O texto a seguir é baseado em um artigo de Claudio Quintino Crow, uma das pessoas mais dispostas a passar conhecimento que eu conheço, um bardo em todos os sentidos. estudioso da cultura celta, druidismo e outros assuntos afins. Eu acrescentei algumas coisinhas ao texto, acrescentei alguns conceitos.

Bruxaria e humanidade caminham juntas. A condição humana constitui-se pela interação de um conjunto de características e faculdades, físicas e psíquicas. Sem estas qualidades não há ser humano. Ser dotado de pensamento é tão essencial na configuração do ser humano como possuir polegares antepostos, postura ereta etc. e, uma vez pensante, há de possuir uma infinidade de possibilidades da mente que reflete sobre o físico e o metafísico; sobre o visível e sobre o invisível; sobre o aqui e o além, o antes, o agora e o depois. A Bruxaria nasce exatamente a partir deste tipo de pensamento e desta forma, ser Bruxo ou Bruxa é inerente a ser humano. O "pensamento mágico" é o produto de uma rede de pensamentos sobre todas as coisas que estão além do conhecimento objetivo, do visível nos fenômenos.
A origem da bruxaria está nos primeiros questionamentos da raça humana. Os primeiros bruxos e bruxas foram indivíduos que escolheram empregar sua ousadia, seu tempo e sua inteligência, memória e capacidade de observação na solução de problemas nos quais as relações diretas de causa e efeito não são perceptíveis, são ocultas à observação direta. As preocupações físicas do homem atual são, conceitualmente, quase as mesmas dos ancestrais pré-históricos e atentam à manutenção da vida: sustento (comer, beber, vestir, emprego, dinheiro etc.), abrigo (casa), sexo e engajamento social (proteção de um grupo). Algo semelhante ocorre com as preocupações metafísicas modernas, como o mistério da morte. A morte ocupa a mente humana desde o Homem de Neanderthal. Uma tumba rudimentar foi uma das primeiras descobertas arqueológicas relacionadas a este tipo ancestral, que existiu há cerca de 100 mil de anos, coexistiu e miscigenou-se com a espécie Homo Sapiens.
          Antes que o Paleolítico chegasse ao fim, o homem de Neanderthal alcançava certo progresso cultural. Nas entradas das cavernas em que vivia, descobriram-se eiras (área de solo batido) em que era trabalhado o sílex e lareiras de pedra, onde, ao que parece, eram alimentadas enormes fogueiras. Isto sugere a origem da cooperação e da vida em grupo. Maior significado, porém, possui a prática neanderthalense de dispensar cuidados aos defuntos, enterrando-os em sepulturas rasas junto com utensílios e outros objetos de valor. Isso indica, talvez, o desenvolvimento de um sentimento religioso ou, pelo menos, a crença em alguma espécie de sobrevivência após a morte.
           Tais práticas são encontradas ainda mais sofisticadas em habitats dos Homens de Cro-Magnon. Existem provas suficientes de que o homem de Cro-Magnon tinha ideias muito evoluídas sobre um mundo de forças invisíveis. Dispensava mais cuidados aos corpos dos defuntos que o homem de Neanderthal, pintando os cadáveres, cruzando-lhes os braços sobre o peito e depositando, nas sepulturas, pingentes, colares, armas e instrumentos ricamente lavrados. Formulou um complicado sistema de magia simpática destinado a aumentar a provisão de alimentos. A magia simpática baseia-se no princípio de que, imitando um resultado desejado, se produz esse resultado.
          Seguindo este princípio, o homem de Cro-Magnon fez pinturas nas paredes de suas cavernas representando a captura de renas, nas caça; ou esculpiu a imagem do urso das cavernas com o dorso transpassado por azagaias. Modelou bisões e mamutes em argila de depois os mutilou com golpes de dardo. Encantamentos e cerimônias acompanhavam, talvez, a execução das pinturas e imagens e, é provável, que o trabalho de produzi-las fosse realizado enquanto a verdadeira caçada estava em andamento. O significado da arte do homem das cavernas esclarece muitas questões relativas à mentalidade e aos costumes primitivos. Mas as principais obras de arte dificilmente teriam sido produzidas com o fim de criar coisas belas. As melhores pinturas e desenhos, geralmente, encontram-se nas paredes e tetos das mais escuras e inacessíveis partes das cavernas. Há sinais que o homem de Cro-Magnon olhava com grande indiferença o aspecto artístico de suas obras de arte. Muitas vezes usava a mesma superfície para uma nova produção. O importante não era a obra acabada em si mesma, mas o ato de fazê-la. Para o homem paleolítico a verdadeira finalidade da arte era tornar mais fácil a luta pela existência. O próprio artista não era um esteta, mas um mágico e sua arte era uma forma de magia destinada a promover o êxito de um empreendimento.
 


          A consciência da morte e as ideias especulativas sobre a morte são características da condição humana. Todos os fenômenos que ameaçam a vida despertam terrores: as doenças, as catástrofes, fenômenos da natureza, o sofrimento, dores do corpo e da alma, o destino. São problemas que a agricultura, o pastoreio, a engenharia, a arquitetura, a tecelagem e olaria não resolvem. Uma comunidade humana precisa de especialistas em dificuldades metafísicas. Os armeiros cuidam de prover os equipamentos de guerra; os caçadores providenciam alimento; os artesãos, utensílios e assim por diante.
          O feiticeiro, a feiticeira, cuida da tristeza, cuja causa ninguém alcança; cuida da sorte, que ninguém pode prever; cuida da dor na cabeça, cuja fonte ninguém enxerga. Por suas atribuições, o feiticeiro é um especialista em palavras, com suas fórmulas verbais, seus cantos; em performances gestuais, com seus rituais, suas danças; mas também é um botânico conhecedor das propriedades de ervas e outras substâncias; e um artista, que frequenta as profundezas das cavernas para reproduzirem nas paredes rochosas, como quem cria realidades, o retrato do próprio futuro, situações de vitória e derrota envolvendo homens, mulheres e animais.
          A bruxaria foi a primeira religião, a primeira arte e a primeira das ciências humanas e naturais da humanidade. Suas práticas estão presentes em todos os núcleos primitivos de desenvolvimento de sociedades humanas em todo o planeta. Não há império, cultura ou nação cuja história não contenha bruxaria. Porque a bruxaria é a religião e a ciência cotidianas do povo; é maneira como as pessoas simples lidam com a metafísica dos fenômenos: a doença, o sofrimento, o inimigo invisível, a morte. Bruxos e Bruxas existem na China, Japão, Índia, Leste Europeu, Países Baixos, Francos, Anglo-saxões, Iberos, Mediterrâneos, Árabes e Israelenses, Norte-americanos, entre os aborígenes do Pacífico, brasileiros, argentinos, cubanos.
          A essência é a mesma: a Bruxaria, em todos os lugares, consiste em agir sobre a realidade (ou sobre o problema), presente ou futura, por meio de "simpatias", ou melhor, estabelecendo "simpatias". A SIMPATIA é um contato; é um meio de relação com o objeto através do pensamento simpático manifestado por gestos que guardam analogia com o que se pretende. O "pensamento simpático" é uma ideia concentrada, intensa, dirigida ao objeto ao qual se refere e ao efeito que se pretende produzir. Por isso, no simbolismo das SIMPATIAS, são usadas substâncias e executadas ações tidas como atrativas ou repulsivas de acordo com o senso geral. Mel, flores e cores alegres para casos de amor; fotos queimadas e bonecos de cera espetados, velas negras, nomes costurados na boca de sapos, para ações de ódio ou rejeição. É o mesmo princípio do feiticeiro pré-histórico, que agia, por analogia, combatendo e matando os bisões e antílopes traçados na parede da caverna; ou reproduzia um homem com o falo destacado e uma mulher gorda de grandes seios, quando desejava promover o aumento de uma prole.


Bruxos e Bruxas

          A primazia da mulher como precursora da bruxaria é enfatizada por muitos autores "exotéricos" que defendem esta ideia enfatizando a hipótese do sistema de hierarquia matriarcal das comunidades primitivas pré-históricas. Argumentam ainda com descobertas arqueológicas de estatuetas representando mulheres opulentas, as Vênus do Neolítico, consideradas como representações de Deusas-Mãe e objeto de culto. Ocorre que, objetivamente, as estatuetas e suposto sistema matriarcal não justificam afirmar o pioneirismo feminino nas práticas mágicas. Não há evidências arqueológicas deste fato assim como não há indícios de que os homens sejam precursores.

O mais provável é a simultaneidade das ideias e práticas da magia entre homens e mulheres. Reflexão e inventividade jamais foram acentuados em virtude do sexo do indivíduo. No que se refere às origens da bruxaria, pode-se especular sobre uma frágil divisão de sexos em função de certas especialidades: algumas práticas a cargo de homens, principalmente; outras, talento notável de mulheres. Não deveriam, contudo, existir restrições severas ao trânsito dos sexos entre as práticas.
            A lógica indica que coube às mulheres a habilidade da magia curativa das ervas e de outras substâncias de origem animal ou mineral. Isso se justifica pela natureza das atividades femininas no cotidiano (coleta, conhecimento sobre as propriedades das plantas) e pelo saber dos ciclos biológicos relacionados às fases lunares, fenômeno nitidamente experimentado em seus próprios corpos. As mulheres devem ter sido também talentosas artesãs de utensílios, responsáveis pelas pinturas e ornamentos corporais das danças rituais.
            Os homens estão claramente relacionados à magia simpática das artes plásticas, a pintura, o desenho e a escultura em cavernas, o que não os exclui do conhecimento sobre as propriedades medicinais, do encantamento do gesto aplicado ao artesanato em adornos, armas, danças, e, possivelmente, o encantamento dos primeiros instrumentos musicais, que certamente foram usados em rituais.




Bruxaria e religião

         Como religião, em seu sentido mais popular, a bruxaria, sem dúvida, corresponde a uma abordagem primitiva, simplista, dos problemas metafísicos, das questões existenciais. Entretanto, a bruxaria é, inegavelmente, a semente de todas as religiões. A reflexão sobre os fenômenos mágicos conduziu pessoas mais vocacionadas ao pensamento teológico, cuja primeira expressão é a personificação das forças naturais, do destino. A personificação consiste na concepção de divindades, os deuses, entidades superiores ao homem que governam todas as coisas que fogem ao controle da ação humana direta.
          Ainda no neolítico, a teologia, o pensar em deuses, emergiu na mente humana. Desde então, pouco a pouco, a religião passou a ocupar um lugar mais prestigiado que a bruxaria, diante dos poderes das organizações sociais e, já nos primórdios dos tempos históricos, os grandes impérios eram Estados teocráticos, como na Mesopotâmia e Egito, por exemplo. A bruxaria sobreviveu como religião popular e informal, composta pelos sincretismos de crenças mundiais e milenares e até hoje, mesmo depois de passar por severas perseguições, convive, um tanto clandestina, em meio à credibilidade sócio oficial das ciências e das grandes religiões. Mas a magia popular é tão antiga e tão enraizada nas culturas de todo os povos que se tornou quase invisível em pequenos gestos do dia a dia.
          São exemplos destas práticas pouco notadas como herança da bruxaria: bater na madeira três vezes para anular uma má influência; o sinal da cruz, o se benzer, substituindo outros gestos mais antigos; a vassoura atrás da porta para espantar visita indesejável; o uso de velas a fim de obter proteção e realizar desejos; uso de amuletos; adoção de certas plantas ornamentais pelas virtudes mágicas associadas, como o alecrim, a arruda, o manjericão, a espada de São Jorge; preferência ou rejeição por certas cores, roupas e objetos ligados a êxitos e fracassos; o hábito mental de manter uma ideia fixa a fim de interferir no visível através do invisível (o pensamento); a crença no "olho gordo" ou "olho de seca pimenteira".
            Durante o período da Idade Média, com o advento do Cristianismo e seu espantoso desenvolvimento e proliferação, as práticas antigas era uma espécie de resistência à nova religião, extremamente organizada em seus interesses próprios, assim, as pessoas ditas bruxas começaram a ser perseguidas, suas ações relacionadas à figura do diabo, um ser criado nessa época, que fundia elementos de várias outras religiões e culturas.
            A Igreja, na Idade Média, como uma instituição, via a manutenção de práticas antigas como uma ameaça ao seu poder, a ideia do deus único, e usou de violência para exterminar, literalmente, toda a ação e pessoa ligada à bruxaria. Cria-se o Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, em 1184, na França, e mais tarde, por diferentes e vários interesses, passou a aterrorizar as pessoas. Tudo se torna motivo de perseguição e desconfiança, instala-se o pânico dentro das camadas populares. Ter uma plantação de ervas, ou um gato preto, ser uma pessoa bonita, ou conseguir fazer partos eram ações relacionadas à bruxaria.
          Aquilo que a igreja não consegue exterminar, ela modifica e funde à sua doutrina. Os festivais pagãos da Roda do Ano transformaram-se em datas cristãs, como a Páscoa e o Natal.
            Sobre esse período, que foi longo, muitos são os relatos de atrocidades e arbitrariedades. Mas, apesar dos esforços, a Igreja da Idade Média não conseguiu acabar com as raízes da bruxaria, que estava fincada na alma das pessoas, que passaram seus conhecimentos, ainda que de forma disfarçada, de geração para geração, até chegar até hoje, em nossa realidade, e cada vez que colocamos em prática uma “simpatia”, na verdade, estamos reverenciando os ensinamentos dos nossos antepassados, o antigo conhecimento inerente ao ser humano.


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