domingo, 28 de agosto de 2011

Roda do ano

A Roda do Ano



          A bruxaria moderna tem como base ritual uma série de celebrações realizadas ao longo do ano, fundindo os antigos festivais celtas e as datas de solstícios e equinócios.
            Celebrar um ritual não se resume a participar, é preciso envolvimento, e isto implica compreensão dos processos, simbolismos e elementos que compõem o ritual em todos os níveis, do aparente ao oculto.
            Entre as culturas pagãs pré-cristãs, a melhor maneira de transmitir os conhecimentos por trás de uma celebração é o mito. A passagem do tempo e sua influência sobre todas as formas de vida foram um dos mais intrigantes questionamentos da humanidade e os mitos, das mais diversas culturas, foram a explicação simbólica desse fenômeno.
            No caso particular da Roda do Ano celta, a compreensão dos mistérios do tempo não vem na forma de um único mito, mas sim da celebração de quatro rituais associados a cada estação do ano:

Samhain – morte/renascimento; contato com o outro mundo, reinício – 01/11 – inverno
Imbolc (Óimelc) – restauração da vida, florescimento – 01/02 - primavera
Beltaine – fertilidade, apogeu, força, sensualidade, vigor – 01/05 – verão
Lughnassadh – colheita, frutificação, amadurecimento, fenecimento – 01/08 – outono

Obs.: As datas são do hemisfério norte.
          

         Posteriormente, as tradições neo-pagãs, ao resgatarem o calendário celta original, incluíram também solstícios e equinócios, usados até hoje para assinalar o início de cada estação do ano, compondo assim uma roda com oito raios que forma o calendário sazonal wiccano.

Mitos da Roda do Ano

          Os festivais celtas originais estão diretamente associados a diversas deidades do panteão celta, muitas vezes até no próprio nome do festival. Lughnassadh, por exemplo, é a festividade ao Deus Lugh, o grande guerreiro da mitologia irlandesa. Outro nome de Imbolc é Brigantia, uma referência clara à Deusa Brighid, que também pode ser identificada na tradução de Óimelc, lactação das ovelhas.


          Beltaine são os Fogos de Bel (Belenos), enquanto que Samhain (literalmente Fim do Verão) possui ligações íntimas com o Deus Dagda e a Deusa Morrighan, também do panteão celta irlandês. A compreensão real do significado de cada festival, seus símbolos e associações, para os celtas antigos, só pode ser atingida através da compreensão dos mitos que os cercam.
         Mas qual é o tema chave da Roda do Ano? Como interpretá-la sem conhecer os mitos celtas?
         Mesmo sem conhecimento dos mitos, é possível intuir seus significados mais profundos quando observamos os temas centrais de cada festival. Este também é um exercício de observação da natureza.
          Samhain, além de ser um importante festival celta, marcava o início do ano.


          Curiosamente, para os celtas, o ano começa no inverno, um período de frio e escuridão, introspecção e recolhimento, especialmente para uma sociedade que vivia em uma região de baixíssimas temperaturas e sem as comodidades da vida moderna. Por analogia, começamos a nossa vida no escuro do ventre materno, para depois nascermos e encararmos a claridade do dia (não é à toa que a expressão Dar à luz tem ligação com o nascimento), assim como a primavera traz nova vida aos bosques, lagos e ninhos que vicejam com filhotes após meses de frio no inverno. Não por acaso, Óimelc, a lactação das ovelhas, é o nome  desse período (aliás, atente para a semelhança do som da palavra Óimelc com a palavra milk, leite em inglês).
          Nos meses quentes do verão (Beltaine,) a vida floresce no seu apogeu, e todas as criaturas multiplicam-se sobre a terra aquecida pelos raios do sol. É o período dos acasalamentos e da fecundação, que produzirá frutos no outono, marcado pelo festival Lughnassadh, a celebração ao Deus Lugh, (diz o mito que Lugh criou este festival em homenagem a sua mãe de criação, Tailtiu).
          O ano chega ao fim quando começou, em Samhain, o fim do verão (na verdade a aproximação do inverno assinalada pelo Outono, é que os celtas marcavam os anos em duas metades, a clara e a escura), a morte do ano solar, o mergulho de volta à escuridão.
            Assim, vemos que depois da escuridão vem a luz da primavera, desenvolvendo-se até atingir seus apogeu no verão, para fenecer e frutificar no outono e por fim, perecer no inverno, isto tudo em um ano. É bom ressaltar, que as datas acima destacadas são determinações posteriores, pois os antigos celtas não tinham um dia específico, eles sentiam a presença da nova estação a partir da observação do tempo.
          Podemos identificar as mesmas fases em todas as formas de vida, nas árvores, insetos, em nós mesmo e até nos objetos. Tudo nasce, cresce, multiplica e morre. O tempo cronológico não importa, o que vale é que tudo obedece a uma ciclicidade constante, imutável em sua mutabilidade. Perceber essa mutabilidade é um dos segredos para harmonizar-se com a natureza, inclusive com a aceitação da morte. É desta observação que absorvemos a simbologia da Roda do Ano. Mas será que é só isso que nos ensina a Roda do Ano?
          Certamente que não. Na verdade, essa é a percepção mais superficial da Roda do Ano. Afinal, Samhain, o ano novo celta, não pertence ao ano que se acaba, nem ao que se inicia; é um período intermediário, fora da realidade que conhecemos, fora da ordem que entendemos. É o começo e fim ao mesmo tempo, uma afirmação de que, no fim das contas, não existe começo nem fim. Afinal, todo o inverno traz uma nova primavera, toda a noite anuncia um novo dia, e toda a morte sinaliza um novo ciclo, uma nova maneira de se manifestar na natureza, seja como pó, seja como lembrança. E não podemos dizer que quando nos lembramos de alguém que já morreu, esta é uma maneira de revivê-lo?

A Roda do Ano Wicca

          A bruxaria moderna, a Wicca, por exemplo, incorporou as datas e quase todos os nomes dos festivais celtas originais, e agregou a estes um novo mito, conhecido como O romance da Deusa e do Deus. Para fazer sentido, essa versão não pode começar no ano novo celta, mas sim no equinócio de primavera.


Festival
Simbologia
Equinócio de primavera - Ostara
Deusa jovem e fértil, Deus jovem e vigoroso – encontro.
Beltaine
União consumada entre ambos. Deusa concebe.
Solstício de Verão – Litha/Midsummer
Apogeu do Deus (início do declínio), plenitude da Deusa.
Lammas/Lughnassadh
1ª colheita (Deus enfraquece) – Deusa grávida.
Equinócio de outono – Mabon
Última colheita. Deus começa a envelhecer. Deusa entristece.
Samhain
Morte do Deus. A Deusa recolhe-se.
Solstício de inverno - Yule
Deusa dá à luz o Deus.
Imbolc
Deusa virgem. Deus criança.


Obs.: Ostara, Litha e Yule nomes de origem germânica. Lammas, nome de origem saxã.

          Observamos que, apesar da diferença entre os mitos, a temática é a mesma. O ciclo ainda permanece. A roda gira no eixo da vida e morte. Na Wicca, este ciclo fica materializado na presença do Deus e da Deusa.


Festival
Data no hemisfério norte
Data no hemisfério sul
Ostara
21 de março
21 de setembro
Beltaine
01 de maio
01 de novembro
Litha/Midsummer
21 de junho
21 de dezembro
Lammas/Lughnassadh
01 de agosto
01 de fevereiro
Mabon
21 de setembro
21 de março
Samhain
31 de outubro
30 de abril
Yule
21 de dezembro
21 de junho
Imbolc
01 de fevereiro
01 de agosto


Norte ou Sul?

          Há várias controvérsias em relação à celebração da Roda do Ano na bruxaria moderna. Afinal, devemos seguir o calendário do hemisfério norte, ou sul, já que as estações do ano são opostas.
          Essa inversão, contudo, não impede que a Roda Astrológica seja aplicável aqui no hemisfério sul, assim como não impede que as festividades cristãs sejam celebradas aqui fora do contexto em que foram criadas na Europa, assim não impediria celebrarmos a Roda do Ano seguindo a ordem do hemisfério norte. Por outro lado, a realidade climática que vivemos no hemisfério sul, sobretudo na maior parte do território brasileiro, é bem diferente da representada nos mitos e lendas celtas, e mesmo no wiccano.
          A melhor resposta para esta questão é, como sempre, aquela que faz mais sentido no seu coração. Valha-se do conhecimento adquirido para determinar de que forma cada estação do ano influi na sua vida. Compreenda os processos, observe suas reações, mas, antes de tudo, sinta! Este é o segredo para que a magia da Roda do Ano flua através de nós. Só quando abrimos para a percepção do mundo que nos rodeia é que voltamos fazer parte dele. Só quando voltamos a fazer parte do mundo é que podemos acessar os Deuses e Deusas, os espíritos e forças da natureza viva. Encontre seu próprio critério, que pode ser pela força da estação do ano, ou pela influência da egrégora, a força espiritual que liga todos os seres num só momento, numa só celebração. Quem sabe até mesclar os dois critérios? Mas, independente da sua escolha, celebre, sinta, vivencie a Roda do Ano, pois você vai sentir as mudanças, a conexão, e tudo vai ser muito mais intenso e inspirador.

Formas de celebrar a Roda do Ano


          Como você comemora seu aniversário? Dá uma festa? Chama parentes e amigos para celebrarem juntos? Resolve se recolher, viaja?... Pois então, a celebração da Roda do Ano pode ser feita em conjunto ou solitariamente. Com uma festa, um jantar, ou um ritual discreto. Isso também depende do que diz seu coração, como você está e sente o momento. Não há uma receita, mas é bom incluir no seu ritual elementos referentes ao festival. Por exemplo, flores em Ostara, quem sabe fazer um pudim de leite em Imbolc? Escrever um poema, acender velas e incensos, dar boas vindas à nova fase que vai começar. Começar um projeto em Litha, ou se recolher em Yule, tudo é válido. Você pode se basear num ritual proposto num livro de bruxaria, mas também é bom que você crie uma forma especial e única para sua celebração, que pode mudar a cada ano. Ouça seu coração.
         
          Aqui, uma representação mais completa da Roda do Ano no hemisfério sul em que você pode basear seus rituais.


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